O IBGE indicou no Censo de 2010 que existem mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil, o que equivale a 24% da população brasileira. Dentre estes, mais de 35 milhões declararam ter deficiência visual, sendo que 6 milhões possuem grande dificuldade de enxergar e 530.000 são totalmente cegas.
O princípio constitucional da igualdade determina o exercício de um direito igual para todos os cidadãos, quando o Estado deve intervir para garantir igualdade de oportunidades para todas as pessoas. No que tange aos direitos das pessoas com deficiência, o Brasil possui um arcabouço legal dos mais avançados do mundo e que foi recentemente fortalecido, através da Lei Brasileira da Inclusão (Lei 13.146/2015), ao ser harmonizado com a atual definição de deficiência consagrada pela Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Tal Convenção foi o primeiro tratado de Direitos Humanos recepcionado pelo Brasil em 2008 com status equivalente a Emenda Constitucional, estabelecendo uma normatização jurídica que permite efetivar os direitos das pessoas com deficiência, através de uma plena isonomia que troca a igualdade formal pela igualdade material, ao especificar o sujeito de direito, considerando as suas peculiaridades e diferenças para tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.
A Convenção reconhece que a deficiência é um conceito em evolução que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Reparem que tal consideração permite compreender que a plena participação das pessoas com deficiência na sociedade é impedida por barreiras de atitudes e de ambiente, sendo que aquelas têm ainda mais força do que estas na restrição de direitos dessas pessoas.
Tendo feito essa introdução em relação à garantia constitucional dos direitos das pessoas com deficiência, com um recorte no primeiro parágrafo em relação à quantidade de deficientes visuais existentes no Brasil, devo entrar no real escopo deste artigo que é alertar sobre a importância de garantir a acessibilidade nos sistemas corporativos para usuários com deficiência visual.
A acessibilidade, que foi muito bem definida no artigo escrito pela colega Patrícia, representa um instrumento imprescindível no processo de inclusão e de efetivação da participação plena das pessoas com deficiência, que se estabelece por meio da quebra das supracitadas barreiras de ambiente e de atitudes.
Quando falamos em sistemas corporativos, a acessibilidade se torna imprescindível em duas vertentes. A primeira delas parte do princípio de que a acessibilidade é para todas as pessoas e não exclusivamente para pessoas com deficiência como comumente se imagina. Nesse sentido, tal acessibilidade se materializa em sistemas que oferecem uma melhor usabilidade através da implementação de interfaces que permitam satisfação de uso por oferecerem fatores como rapidez, previsibilidade, eficácia e fácil entendimento. O outro campo de atuação da acessibilidade em sistemas e tecnologias de informação está em desenvolver sistemas, de forma a permitir o seu uso por usuários deficientes visuais. E quando um sistema é pensado procurando garantir a usabilidade por todos, a acessibilidade para deficientes visuais se torna muito mais possível.
E cabe ressaltar que a acessibilidade facilita a vida de todas as pessoas com deficiência, mas quando se trata de acessibilidade em sistemas de informação e comunicação, os com deficiência visual são os mais favorecidos. E isso se deve ao fato de que a interface de um sistema é a ferramenta de comunicação que permite ao usuário ter acesso à máquina e à funcionalidade que aquele sistema dispõe. E como essa comunicação se estabelece? Através da visão, justamente aquela que falta ao deficiente visual. O detalhe é que tal visão é substituída por um software chamado leitor de tela, que permite a quem não enxerga a utilização quase plena de computadores e sistemas. São dois os principais leitores de tela para plataforma Windows do mercado: o Jaws, que é o mais utilizado, por ser mais eficaz e oferecer muito mais autonomia, e o NVDA, que é mais recente e tem evoluído bastante, por ser um software livre.
E quando digo que os leitores de tela permitem uma utilização quase plena dos sistemas é porque esse softwares não “lêem” nem imagens nem interfaces onde a acessibilidade fora negligenciada pelo desenvolvedor. Porém, quando a acessibilidade é priorizada e se torna um pré-requisito para a eficácia do sistema, os usuários com deficiência visual têm os seus direitos preservados, tal como determina a legislação aqui citada.
No caso do INSS, quando a acessibilidade for plenamente implantada no SIB, SABI, Plenus, Expresso e demais sistemas, os mais de 500 servidores com deficiência visual (dados do SIAPE em 2012) estarão totalmente aptos para atuar em igualdade de condições com os demais colegas.
Alguns dos sistemas corporativos do INSS, como o Portal CNIS e o SISGPEP, foram pensados para serem acessíveis para servidores com deficiência visual. São sistemas de intranet, desenvolvidos em linguagem html, aquela mesma utilizada em sites da internet, que permite a fácil implantação de acessibilidade para os leitores de tela, através da utilização de diretrizes desenvolvidas pelo Governo Eletrônico e pela W3C (consórcio que administra a rede de internet). Tais diretrizes (e-Mag e WCAG) são bem conhecidas pelos colegas desenvolvedores da nossa CGTI e da Dataprev.
E o que impede então que a acessibilidade alcance todos os sistemas corporativos? Bom, além dos motivos que todos já conhecemos, como o pouco quantitativo de pessoal para muita demanda, creio que o pior fator impeditivo ainda é a tal da barreira atitudinal, aquela que citei no início deste artigo como principal impeditivo para plena participação das pessoas com deficiência na sociedade e sobretudo nos ambientes de trabalho.
E trago como exemplo para comprovação disso a nossa Escola Virtual que em 2012 era inacessível para servidores com deficiência visual. Apesar de utilizar a plataforma Moodle, que oferece ferramentas nativas de acessibilidade, os desenvolvedores disponibilizavam aulas sem nenhuma preocupação com servidores usuários de leitores de tela. O CFAI, coordenado por Renata Melo, constituiu um GT de inclusão, formado por servidores com deficiência visual, que estabeleceu, junto à equipe CFAI, soluções de acessibilidade para as ações educacionais, entre elas a implantação da acessibilidade nos cursos virtuais, que foi viabilizada na nova plataforma desenvolvida pela Equipe EAD, coordenada na época por Simone Lavorato.
Hoje a nossa Escola Virtual é 100% acessível para deficientes visuais, com recursos de audiodescrição nas imagens e aulas que podem ser totalmente lidas pelo leitor de tela. Um trabalho de várias mãos, com colegas de estados, unidades e setores diversos, que nasceu da atitude das coordenadoras citadas que trouxeram à mesa de discussão aqueles que mais têm possibilidade de trazer soluções, os próprios servidores com deficiência visual. Isso é o que preconiza a nobre Convenção Internacional que faz parte de nossa Carta Magna e que tem como lema “Nada sobre nós sem nós!”.
Soma-se então às demandas dos servidores do INSS a necessidade urgente de atitudes como essa serem praticadas por outros colegas, sobretudo no desenvolvimento de novos sistemas corporativos pelas equipes CGTI/Dataprev, para que servidores cegos possam participar no processo de planejamento, desenvolvimento e validação de sistemas que forem repensados para facilitar o fluxo de trabalho e o cotidiano dos servidores da casa, tal como foi com a nossa Escola Virtual.
E viva a igualdade de oportunidades para todos!
Por Jean V. Abreu