O atendimento à sociedade exige universalização e igualdade, não diferenciação e lucratividade
"Embora o mercado tenha-se tornado
exemplo popular para a reforma do setor público, este não deve ter na
eficiência seu valor fundamental, e sim estar preocupado com a eficácia e
a accoutability." (Guy Peters e Jon Pierre, Administração Pública).
A diferença fundamental entre a prestação de um serviço público e um
serviço do setor privado é que o primeiro segue a lógica da igualdade e
da universalidade, enquanto o segundo orienta suas ações segundo objetivos de diferenciação e lucratividade.
Um serviço público deve ser disponibilizado igualmente a todos os
usuários, independentemente de qualquer critério de discriminação
financeira ou social. Por sua vez, um serviço privado seguirá sempre o
critério da rentabilidade por cliente.
Os esforços de atendimento são sempre proporcionais ao retorno
oferecido pelo cliente. Em marketing, isso se chama diferenciação por
segmento. Ao concentrar os melhores serviços para aqueles usuários que
oferecem maior rentabilidade, é possível direcionar esforços e custos
para um segmento de mercado em detrimento de outro. São os chamados
clientes "prime", "gold", "exclusive". Interessante que o nome atribuído
ao tipo de cliente é geralmente escrito em inglês.
Desta forma, a empresa privada pode ser mais eficiente em suas
operações, pois investe tempo e recursos onde há retornos mais altos.
Para os segmentos menos rentáveis, em lugar da diferenciação, ocorre a
padronização dos serviços. Gasta-se mais onde o retorno é maior.
Economiza-se onde os ganhos são menores. Simples assim.
No setor público, em razão do princípio da universalidade, a
eficiência é sacrificada em razão da natureza da relação entre o usuário
e o prestador, que não pode ser definida a partir de critérios de
diferenciação. Uma empresa prestadora de serviço público jamais poderá
segmentar suas atividades em função da rentabilidade dos seus usuários.
Todos os usuários representam igual custo. E, simetricamente, nenhum
"lucro".
No setor privado, a busca pelo lucro, por si só, é geradora de eficiência.
Entretanto, quando um serviço público é privatizado, os supostos ganhos
de eficiência não podem mais decorrer da lucratividade por segmentação.
Desta forma, quando se toma uma decisão entre privatizar ou não privatizar
um serviço público, é preciso considerar se a suposta eficiência
alcançada pelo setor privado não virá às custas de um valor maior, qual
seja a universalização dos serviços colocados à disposição dos cidadãos.
Ainda que esta universalização seja exigida por lei.
Há, portanto, uma evidente contradição. E como essa universalidade é
uma exigência legal por parte do poder público concedente do serviço
público, a empresa privada concessionária deverá adequar-se a essa outra
lógica, voltada para o atendimento universal e indiscriminado,
característica contrária à sua essência, cuja razão de ser é a de buscar
rentabilidade máxima em suas operações. Um conflito óbvio de
interesses.
Uma empresa privada, é preciso reconhecer, não entra em nenhum
empreendimento para realizar prejuízos. Assim, para a atividade ser
lucrativa, a despeito da obrigatoriedade da prestação de um serviço sem
diferenciações, a empresa terá de obter sua lucratividade a partir de
ganhos de eficiência que a conduzam a um resultado que justifique e
compense sua permanência no setor.
E como as tarifas são em geral reguladas, tais ganhos não poderão ser
obtidos via preço, e sim via corte de custos. Condição que poderia
afetar a qualidade dos serviços e anular os supostos benefícios da
privatização para os usuários.
Alegar maior eficiência do setor privado em relação ao setor público
muitas vezes pode mascarar o núcleo da questão, o fato de que um serviço
público deve estar disponível ao maior número de cidadãos possíveis, ao
menor custo para o usuário, de maneira indiscriminada e universal.
Embora a eficiência também seja desejável no setor público, ela é
apenas um dos elementos norteadores. Jamais poderá ser o critério último
de avaliação de sua qualidade.
No tocante aos serviços públicos, para que haja um equilíbrio real,
ainda que não sejam conflitantes, a eficácia social deve sempre se
sobrepor a eficiência econômica.
* “Sócio” desde 2018