AILTON MARQUES DE
VASCONCELOS[i]
Introdução
As denominadas tábuas[1]
completas de mortalidade[2]
por sexo e idade, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, permitem “que se conheçam os níveis e padrões
de mortalidade da população e tem sido usada como um dos parâmetros necessários
na determinação do chamado fator previdenciário para os cálculos dos valores
relativos às aposentadorias dos trabalhadores que estão sob o Regime Geral da
Previdência Social.” (IBGE, 2016)
Tem-se como objetivo
problematizar as diferentes expectativas de vida no país e como o método de
análise estatístico utilizado pelo IBGE evidencia essas diferenças, e como a
consideração regional dessa expectativa de vida seria importante para a
realidade brasileira, tendo em vista o cenário social e político brasileiro no
auge do debate sobre o projeto de reforma da previdência brasileira.
1.
As
tábuas de mortalidade, o método do IBGE
O IBGE informa em suas
notas metodológicas a respeito da construção das tábuas de mortalidade, que
após apresentam-se como dados de expectativas de vida, que a “distribuição por
idades individuais da população enumerada pelos Censos Demográficos apresenta
um problema sistemático na declaração ou no cálculo da idade que está associado
à preferência de dígitos atrativos finais.” (tábuas abreviadas, 2014)
Informa ainda que a
tábua de mortalidade é:
um
modelo que descreve a incidência da mortalidade ao longo das idades de uma
população em um determinado momento ou período no tempo. Pressupõe-se o
acompanhamento de uma coorte de nascimentos, registrando-se, a cada ano, o
número de sobreviventes às idades exatas. Como essa é uma tarefa quase
impossível de se levar a efeito, utiliza-se a mortalidade prevalecente em um
certo período para gerar os sobreviventes de uma coorte hipotética, l(x), de
nascimentos, geralmente 100.000, denotada por l(0). (IBGE, 2000, notas
metodológicas)
Nesse contexto a
construção metodológica apresentada pelo órgão utiliza diferentes
equacionamentos estatísticos para considerar o problema do subregistro de
óbitos, bem como as chamadas taxas de sobremortalidade[3]
masculina, tendo em vista maior incidência dos óbitos por causas externas ou
não naturais, que atingem com maior intensidade a população masculina.
O modelo demográfico
utilizado pelo IBGE utiliza dois indicadores principais: 1) as probabilidades
de morte entre duas idades exatas, em particular, a probabilidade de um
recém-nascido falecer antes de completar o primeiro ano de vida, também
conhecida como a taxa de mortalidade infantil; 2) as expectativas de vida a
cada idade, em especial, a expectativa de vida ao nascimento.
Informa ainda que tais
indicadores levam em consideração as condições sociais, sanitárias, de saúde e
de segurança da população. Consideram-se três grande grupos etários tratados
separadamente, a) as idades inferiores a 5 anos; b) as idades compreendidas
entre 5 e 69 anos; c) as idades a partir dos 70 anos.
No caso das idades até
5 anos, é utilizada uma hipérbole[4]. Para
a obtenção dos sobreviventes (lx) nas idades 1,2,3 e 4 faz-se necessário ajustar
uma hipérbole passando por três pontos.
Entretanto a partir
dessa idade o IBGE faz do seguinte modo:
Para
a abertura dos óbitos dos grupos etários quinquenais dos 5 anos até o grupo
aberto foi utilizado um procedimento denominado de interpolação osculatória que
trata -se de uma interpolação polinomial cujos coeficientes já são estimados e
conhecidos. No caso presente foi utilizado os multiplicadores de Beers “Ordinário”,
que permitem obter valores intermediários a partir determinados pontos
conhecidos. Este procedimento utiliza o grupo etário quinquenal que se deseja
abrir em idades individuais, tendo como pontos de apoio os dois grupos etários
quinquenais anteriores e posteriores, com exceção dois grupos de 5 a 9 e 10 a
14 anos. Este procedimento reproduz automaticamente os óbitos do correspondente
grupo etário quinquenal da tábua abreviada de mortalidade.
Não obstante o IBGE
informa que para os grupos a partir de 70 anos utiliza a curva de GOMPERTZ[5],
pois consegue medir uma série temporal que permite o ajuste necessário dessa
faixa etária em diante.
Como
dito anteriormente existe o problema do subregistro de óbitos, para essa
questão foi proposto um equacionamento a partir do Balanço de Brass-Trussell[6],
para estimar a cobertura de óbitos.
Todas essas formas
estatísticas em conjunto resultam na publicação anual do IBGE para a projeção
da expectativa de vida dos indivíduos.
A última publicação
(2016) informou:
uma
expectativa de vida de 75,8 anos para o total da população, um acréscimo de 3
meses e 11 dias em relação ao valor estimado para o ano de 2015 (75,5 anos).
Para a população masculina o aumento foi de 3 meses e 18 dias passando de 71,9
anos para 72,2 anos, em 2016. Já para as mulheres o ganho foi um pouco menor,
em 2015 a expectativa de vida ao nascer era de 79,1 anos se elevando para 79,4
anos em 2016 (3 meses e 7 dias maior).
A respeito da taxa de
mortalidade infantil informou que houve uma queda de 3,7% em relação ao ano
anterior. O IBGE considera a taxa de mortalidade de extrema relevância por ser
um importante indicador da condição de vida socioeconômica de uma região, uma
vez que a chance de uma criança vir a falecer antes do primeiro ano de idade, e
no período de 1 a 4 anos, tem relação direta com as condições sanitárias em que
vivem.
A partir desse ponto é
fundamental destacar as diferenças apresentadas, regionalmente, pelo IBGE
quanto as probabilidades de um recém-nascido de não completar o primeiro ano de
vida:
Gráfico 1 –
Unidades da Federação – Probabilidade (%o) de um recém-nascido não completar o
primeiro ano de vida – total - 2016
Fonte:
Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o
período 2000-2030.
Há uma gritante
diferença entre o que é a média estipulada em nível nacional das regiões norte,
nordeste e centro-oeste, bem como entre dois pontos como Espírito Santo e
Amapá.
As diferenças seguem também
no indicador expectativa ou esperança de vida ao nascer, pois um recém-nascido
irá sofrer os riscos de morte em todas as fases da vida.
Gráfico 2 –
Unidades da Federação – Esperança de vida ao nascer – Brasil - Total - 2016
Fonte:
Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o
período 2000-2030.
E ainda podem ser
observadas as contínuas disparidades entre as expectativas de vida entre homens
e mulheres.
Gráfico 3 –
Unidades da Federação – Esperança de vida ao nascer – Brasil - Homens - 2016
Fonte:
Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o
período 2000-2030.
Gráfico 4 –
Unidades da Federação – Esperança de vida ao nascer – Brasil - Mulheres - 2016[7]
Fonte: Projeção da população do Brasil e
Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2000-2030.
Sem alongar ainda mais
a questão das disparidades, mas apenas para ilustrar o quanto essas diferenças
são importantes serem consideradas, apresenta-se a seguir um mapa sobre a
situação das diferenças em nível municipal, onde se pode observar que a
longevidade está diretamente relacionada a níveis de segurança, saúde,
condições sociais e sanitária.
Os extremos da capital
paulista pouco acessam os serviços públicos, tem trabalhos com relações
precarizadas. A desigualdade gritante da capital paulista evidencia em um
prospecto mais próximo o que é a diferença da longevidade brasileira, tanto
regional quanto municipalmente. Veja a seguir:
Mapa
1 – Índice de expectativa vida por distritos (2015) – São Paulo.[8]
Fonte:
Revista online Super Interessante
O IBGE ao considerar as
particularidades de condições de vida, a partir de sua apresentação de notas
metodológicas, através de todas as variáveis estatísticas anteriormente
enunciadas, chega a dados que no Brasil, tirar
a média de expectativa de vida gera incongruências com as realidades regionais,
fato esse que torna a discussão da reforma da previdência quanto a idade mínima
para aposentadoria, um aspecto a ser seriamente discutido, pois a média
brasileira não reflete a realidade díspar do país quanto a esse aspecto, e
portanto, talvez o que se deva ser parâmetro a regionalidade dessa expectativa.
2.
A
escolha do método estatístico, algumas reflexões.
O IBGE apontou a
escolha dos métodos estatísticos escolhidos na construção da tábua de
mortalidade brasileira, apontou as dificuldades e algumas saídas através de
configurações estatísticas para que o resultado seja o mais próximo da
realidade, no entanto, vejamos:
Existem
outras considerações que entram na escolha de um teste estatístico. Nessa
escolha, precisamos considerar a maneira com que a amostra de escores foi
extraída, a natureza da população da qual a amostra foi extraída, a particular
hipótese que desejamos testar e o tipo de mensurações ou escalonamento que
foram empregados nas definições operacionais das variáveis envolvidas, isto é,
nos escores. Todos esses aspectos entram na determinação de qual teste estatístico
é ideal ou mais apropriado para analisar um particular conjunto de dados de
pesquisa. (SIEGEL, 1977, p. 39)
Importante
destacar que na divulgação de seu método de análise o IBGE informa que há a
possibilidade de outras formas de mensuração das tábuas de mortalidade que
informam as expectativas de vida:
De
um modo geral, o IBGE julga que a utilização da Esperança de Vida da população
brasileira a partir de qualquer idade e, no caso, da chamada "sobrevida a
partir de uma idade determinada", implica em admitir que outras
instituições, acadêmicas ou não, possam ter conjuntos diferentes de Tábuas de
Mortalidade elaboradas mediante o emprego de procedimentos metodológicos
diversos, mesmo que bastante semelhantes. A principal razão que explicará
eventuais diferenças consiste na necessidade imperiosa de correção da estrutura
dos óbitos registrados. É nesse sentido que Arretx (1984) afirmou, ao utilizar
a metodologia aqui descrita para o cálculo das Tábuas de Mortalidade, que "las tablas adoptadas son um conjunto
plausible, pero no necesariamente las únicas, que pueden explicar la evoloción
de la mortalidad de Brasil. En todo caso, puede
considerarse que son las mejores que se han elaborado, con las informaciones y
métodos disponibles, para que resultaran coherentes com la población, por sexo
y edades, de los censos." (IBGE, 2000, p. 28)
Nesses termos o que se observa é que talvez o
problema não esteja nas diferentes análises estatísticas que informam a
expectativa de vida da população brasileira, mas sim reduzir todo o trabalho à
média. Essa média no Brasil, por exemplo, tem sido seguida para fins de
aposentadoria e no contexto atual de reforma da previdência achata diferenças
significativas entre regiões do país, conforme visto anteriormente.
É nesse sentido que se faz importante apontar que a
tecnologia, como forma de organizar as relações sociais, expressa uma manifestação
do pensamento e padrões de comportamento dominantes, e por isso também, um
instrumento de controle e dominação. (MARCUSE, 1999).
Sem fazer uma crítica rasa o que se busca
compreender aqui é que a tecnologia utilizada pelo IBGE em si, traz elementos
que apontam a importância da regionalização, das diferenças existentes,
entretanto o uso que se fará da média brasileira a respeito da expectativa de
vida aponta a direção social que o governo quer imprimir como ‘verdade” e
“única saída” para a questão das aposentadorias.
Problematiza-se por exemplo porque o uso da média
simples nessa questão e os motivos pelos quais não se utiliza a média ponderada que traz a possibilidade de ao
realizar a média quantificar a importância de cada situação, e atribuir pesos,
aproximando talvez as possibilidades de melhor aproximação com a expectativa de
vida regional.
Considerações
A reforma da previdência é um tema de extrema
relevância para o contexto social e político brasileiro. O atual governo aposta
nessa reforma garantindo à população que essa saída trará equilíbrio as contas
públicas. Dentro dessa agenda está a mudança em relação à idade mínima para
fins de aposentadoria, a partir dessa tábua de mortalidade construída
anualmente pelo IBGE.
A partir dos elementos apontados no presente
observa-se que a técnica utilizada pelo IBGE na construção das tábuas de
mortalidade é capaz de considerar as diferenças regionais, tendo em vista as
condições sociais, de saúde, sanitárias e de segurança. A respeito disso é
importante apontar:
A técnica por si
só pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez
quanto abundância, tanto o aumento quanto a abolição do trabalho árduo. (MARCUSE,
1999, p. 74)
Assim como se observa que as técnicas escolhidas
para a questão parecem estar de acordo com o que se propõe medir, no entanto o
uso dos dados sem a devida problematização regional aponta uma racionalidade
tecnológica a serviço de um governo que fará imposição de uma informação de
modo achatado, tornando a aposentadoria
inatingível para a população de alguns estados.
O que se depreende da análise realizada é que a
questão não está na apresentação dos dados sobre expectativa de vida e sim na
sua utilização enviesada pelo governo federal, situação essa que perpassa a
realidade de muitas pesquisas estatísticas de fomento público e privado. E
desse modo concorda-se com (Adorno, p. 29, 2001):
En
una sociedad liberada, la estadística sería positivamente lo que hoy es
negativamente, a saber, una técnica de administración, pero de la
administración de las cosas, de los bienes de consumo, no de los hombres.
Bibliografia
ADORNO, Theodor W. Epistemología y Ciencias Sociales. Frónesis.. Madrid: Cátedra
Universitat de València, 2001.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Tábua completa de mortalidade para o
Brasil – 2016: Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil.
Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2016/tabua_de_mortalidade_2016_analise.pdf.
Acesso em: jan. 2018.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Projeção da população do Brasil, parte 1.
Níveis e padrões da mortalidade no Brasil à luz dos resultados do censo 2000.
Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-mortalidade.html?edicao=9176&t=downloads.
Acesso em jan. 2018.
CRUZ, Elaine Patrícia.
BRANCO, Mariana. Reforma da previdência terá de
lidar com disparidade de expectativa de vida. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-11/reforma-da-previdencia-tera-de-lidar-com-disparidade-de-expectativa-de-vida.
Acesso em 07/01/2018.
MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Fundação Editora UNESP,
1999.
PADILHA, Paula Zarth. Aposentadoria: uma corrida contra a expectativa de vida. Disponível
em: http://www.terrasemmales.com.br/aposentadoria-uma-corrida-contra-a-expectativa-de-vida/.
Acesso em 07/01/2018.
SIEGEL, Sidney. Estatística não-paramétrica (para
ciências do comportamento). São Paulo: Mcgraw Hill do Brasil, 1977.
[1]
É uma ferramenta
metodológica de análise demográfica, estatística, que tem como objetivo
apresentar a expectativa de vida da população brasileira até os 80 anos.
[2]
Em cumprimento ao disposto
no Art. 2o do Decreto no 3.266, de 29 de novembro de 1999, o IBGE divulga,
anualmente, até o dia primeiro de dezembro de cada ano, a Tábua Completa de
Mortalidade para o total da população brasileira, referente ao ano anterior.
Essas informações subsidiam o cálculo do fator previdenciário, para fins das
aposentadorias das pessoas regidas pelo Regime Geral da Previdência Social.
[3]
Expressa a
relação entre as taxas específicas de mortalidade de homens e mulheres.
[4]
A hipérbole
é o lugar geométrico dos pontos de um plano cuja diferença das distâncias, em
valores absolutos, a dois pontos fixos desse plano é constante. Disponível em: www.obaricentrodamente.com/2011/05/equacao-da-hiperbole.html
[5]
O inglês
Benjamin Gompertz, padroeiro dos atuários, examinando números de falecimentos
em várias regiões do Reino Unido descobriu algumas relações matemáticas que se
ajustavam a esses números com bastante precisão. Em 1825, ele publicou sua
pesquisa na revista da Royal Society em um artigo que ainda hoje é considerado
fundamental.Gompertz notou que havia uma expressão matemática para a
probabilidade de alguém, a partir de seu aniversário, morrer antes de chegar ao
aniversário seguinte. Essa expressão é uma exponencial do tipo P(t) = A
exp(Bt), onde P(t) é a probabilidade acima referida. Disponível em: http://www.seara.ufc.br/donafifi/longevidade/longevidade02.htm
[6]
O método da Equação de
Balanço de Brass (1975) foi formulado a partir da relação de que a taxa de
crescimento da população (ou de um segmento da população deve ser igual à
diferença entre a taxa de entrada e a de saída. Em uma população
fechada a entrada
na população de
idade x e mai é dada pelas
pessoas que completam exatamente
x anos de idade e as saídas consistem nas mortes das pessoas de x anos e mais.
Disponível em:
http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/viewFile/1871/1830
[7] Gráficos 1, 2, 3
e 4 - Fonte:
Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o
período 2000-2030. (IBGE, 2016)
[8]
D´ANGELO, Helô. Em mais de 1/3 dos bairros de SP, moradores
morrem antes de aposentar. Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/em-mais-de-13-dos-bairros-de-sp-moradores-morrem-antes-de-aposentar/. Acesso em jan/2018.
[i] Bacharelado
em SERVIÇO SOCIAL pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Especialista em GESTÃO PÚBLICA pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo.
Mestre em EDUCAÇÃO: História, Política, Sociedade (EHPS)
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Doutorando em EDUCAÇÃO: História, Política, Sociedade
(EHPS) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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