quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E AS ESTATÍSTICAS DE MORTALIDADE – UM DEBATE A DESVENDAR!

AILTON MARQUES DE VASCONCELOS[i]
Introdução


As denominadas tábuas[1] completas de mortalidade[2] por sexo e idade, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,  permitem “que se conheçam os níveis e padrões de mortalidade da população e tem sido usada como um dos parâmetros necessários na determinação do chamado fator previdenciário para os cálculos dos valores relativos às aposentadorias dos trabalhadores que estão sob o Regime Geral da Previdência Social.” (IBGE, 2016)


Tem-se como objetivo problematizar as diferentes expectativas de vida no país e como o método de análise estatístico utilizado pelo IBGE evidencia essas diferenças, e como a consideração regional dessa expectativa de vida seria importante para a realidade brasileira, tendo em vista o cenário social e político brasileiro no auge do debate sobre o projeto de reforma da previdência brasileira.

1.      As tábuas de mortalidade, o método do IBGE



O IBGE informa em suas notas metodológicas a respeito da construção das tábuas de mortalidade, que após apresentam-se como dados de expectativas de vida, que a “distribuição por idades individuais da população enumerada pelos Censos Demográficos apresenta um problema sistemático na declaração ou no cálculo da idade que está associado à preferência de dígitos atrativos finais.” (tábuas abreviadas, 2014)

Informa ainda que a tábua de mortalidade é:

um modelo que descreve a incidência da mortalidade ao longo das idades de uma população em um determinado momento ou período no tempo. Pressupõe-se o acompanhamento de uma coorte de nascimentos, registrando-se, a cada ano, o número de sobreviventes às idades exatas. Como essa é uma tarefa quase impossível de se levar a efeito, utiliza-se a mortalidade prevalecente em um certo período para gerar os sobreviventes de uma coorte hipotética, l(x), de nascimentos, geralmente 100.000, denotada por l(0). (IBGE, 2000, notas metodológicas)

Nesse contexto a construção metodológica apresentada pelo órgão utiliza diferentes equacionamentos estatísticos para considerar o problema do subregistro de óbitos, bem como as chamadas taxas de sobremortalidade[3] masculina, tendo em vista maior incidência dos óbitos por causas externas ou não naturais, que atingem com maior intensidade a população masculina.


O modelo demográfico utilizado pelo IBGE utiliza dois indicadores principais: 1) as probabilidades de morte entre duas idades exatas, em particular, a probabilidade de um recém-nascido falecer antes de completar o primeiro ano de vida, também conhecida como a taxa de mortalidade infantil; 2) as expectativas de vida a cada idade, em especial, a expectativa de vida ao nascimento.


Informa ainda que tais indicadores levam em consideração as condições sociais, sanitárias, de saúde e de segurança da população. Consideram-se três grande grupos etários tratados separadamente, a) as idades inferiores a 5 anos; b) as idades compreendidas entre 5 e 69 anos; c) as idades a partir dos 70 anos.


No caso das idades até 5 anos, é utilizada uma hipérbole[4]. Para a obtenção dos sobreviventes (lx) nas idades 1,2,3 e 4 faz-se necessário ajustar uma hipérbole passando por três pontos.

Entretanto a partir dessa idade o IBGE faz do seguinte modo: 


Para a abertura dos óbitos dos grupos etários quinquenais dos 5 anos até o grupo aberto foi utilizado um procedimento denominado de interpolação osculatória que trata -se de uma interpolação polinomial cujos coeficientes já são estimados e conhecidos. No caso presente foi utilizado os multiplicadores de Beers “Ordinário”, que permitem obter valores intermediários a partir determinados pontos conhecidos. Este procedimento utiliza o grupo etário quinquenal que se deseja abrir em idades individuais, tendo como pontos de apoio os dois grupos etários quinquenais anteriores e posteriores, com exceção dois grupos de 5 a 9 e 10 a 14 anos. Este procedimento reproduz automaticamente os óbitos do correspondente grupo etário quinquenal da tábua abreviada de mortalidade.

Não obstante o IBGE informa que para os grupos a partir de 70 anos utiliza a curva de GOMPERTZ[5], pois consegue medir uma série temporal que permite o ajuste necessário dessa faixa etária em diante.


Como dito anteriormente existe o problema do subregistro de óbitos, para essa questão foi proposto um equacionamento a partir do Balanço de Brass-Trussell[6], para estimar a cobertura de óbitos.


Todas essas formas estatísticas em conjunto resultam na publicação anual do IBGE para a projeção da expectativa de vida dos indivíduos. 


A última publicação (2016) informou:

uma expectativa de vida de 75,8 anos para o total da população, um acréscimo de 3 meses e 11 dias em relação ao valor estimado para o ano de 2015 (75,5 anos). Para a população masculina o aumento foi de 3 meses e 18 dias passando de 71,9 anos para 72,2 anos, em 2016. Já para as mulheres o ganho foi um pouco menor, em 2015 a expectativa de vida ao nascer era de 79,1 anos se elevando para 79,4 anos em 2016 (3 meses e 7 dias maior).

A respeito da taxa de mortalidade infantil informou que houve uma queda de 3,7% em relação ao ano anterior. O IBGE considera a taxa de mortalidade de extrema relevância por ser um importante indicador da condição de vida socioeconômica de uma região, uma vez que a chance de uma criança vir a falecer antes do primeiro ano de idade, e no período de 1 a 4 anos, tem relação direta com as condições sanitárias em que vivem.


A partir desse ponto é fundamental destacar as diferenças apresentadas, regionalmente, pelo IBGE quanto as probabilidades de um recém-nascido de não completar o primeiro ano de vida:

 
Gráfico 1 – Unidades da Federação – Probabilidade (%o) de um recém-nascido não completar o primeiro ano de vida – total - 2016

Fonte: Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2000-2030.

Há uma gritante diferença entre o que é a média estipulada em nível nacional das regiões norte, nordeste e centro-oeste, bem como entre dois pontos como Espírito Santo e Amapá.


As diferenças seguem também no indicador expectativa ou esperança de vida ao nascer, pois um recém-nascido irá sofrer os riscos de morte em todas as fases da vida.

Gráfico 2 – Unidades da Federação – Esperança de vida ao nascer – Brasil - Total - 2016


Fonte: Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2000-2030.

E ainda podem ser observadas as contínuas disparidades entre as expectativas de vida entre homens e mulheres.


Gráfico 3 – Unidades da Federação – Esperança de vida ao nascer – Brasil - Homens - 2016


Fonte: Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2000-2030.



Gráfico 4 – Unidades da Federação – Esperança de vida ao nascer – Brasil - Mulheres - 2016[7]


 Fonte: Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2000-2030.


Sem alongar ainda mais a questão das disparidades, mas apenas para ilustrar o quanto essas diferenças são importantes serem consideradas, apresenta-se a seguir um mapa sobre a situação das diferenças em nível municipal, onde se pode observar que a longevidade está diretamente relacionada a níveis de segurança, saúde, condições sociais e sanitária.


Os extremos da capital paulista pouco acessam os serviços públicos, tem trabalhos com relações precarizadas. A desigualdade gritante da capital paulista evidencia em um prospecto mais próximo o que é a diferença da longevidade brasileira, tanto regional quanto municipalmente. Veja a seguir:
  


Mapa 1 – Índice de expectativa vida por distritos (2015) – São Paulo.[8]

Fonte: Revista online Super Interessante

O IBGE ao considerar as particularidades de condições de vida, a partir de sua apresentação de notas metodológicas, através de todas as variáveis estatísticas anteriormente enunciadas, chega a dados que no Brasil, tirar a média de expectativa de vida gera incongruências com as realidades regionais, fato esse que torna a discussão da reforma da previdência quanto a idade mínima para aposentadoria, um aspecto a ser seriamente discutido, pois a média brasileira não reflete a realidade díspar do país quanto a esse aspecto, e portanto, talvez o que se deva ser parâmetro a regionalidade dessa expectativa.


2.      A escolha do método estatístico, algumas reflexões.

O IBGE apontou a escolha dos métodos estatísticos escolhidos na construção da tábua de mortalidade brasileira, apontou as dificuldades e algumas saídas através de configurações estatísticas para que o resultado seja o mais próximo da realidade, no entanto, vejamos:
Existem outras considerações que entram na escolha de um teste estatístico. Nessa escolha, precisamos considerar a maneira com que a amostra de escores foi extraída, a natureza da população da qual a amostra foi extraída, a particular hipótese que desejamos testar e o tipo de mensurações ou escalonamento que foram empregados nas definições operacionais das variáveis envolvidas, isto é, nos escores. Todos esses aspectos entram na determinação de qual teste estatístico é ideal ou mais apropriado para analisar um particular conjunto de dados de pesquisa. (SIEGEL, 1977, p. 39)

            Importante destacar que na divulgação de seu método de análise o IBGE informa que há a possibilidade de outras formas de mensuração das tábuas de mortalidade que informam as expectativas de vida:

De um modo geral, o IBGE julga que a utilização da Esperança de Vida da população brasileira a partir de qualquer idade e, no caso, da chamada "sobrevida a partir de uma idade determinada", implica em admitir que outras instituições, acadêmicas ou não, possam ter conjuntos diferentes de Tábuas de Mortalidade elaboradas mediante o emprego de procedimentos metodológicos diversos, mesmo que bastante semelhantes. A principal razão que explicará eventuais diferenças consiste na necessidade imperiosa de correção da estrutura dos óbitos registrados. É nesse sentido que Arretx (1984) afirmou, ao utilizar a metodologia aqui descrita para o cálculo das Tábuas de Mortalidade, que "las tablas adoptadas son um conjunto plausible, pero no necesariamente las únicas, que pueden explicar la evoloción de la mortalidad de Brasil. En todo caso, puede considerarse que son las mejores que se han elaborado, con las informaciones y métodos disponibles, para que resultaran coherentes com la población, por sexo y edades, de los censos." (IBGE, 2000, p. 28)

Nesses termos o que se observa é que talvez o problema não esteja nas diferentes análises estatísticas que informam a expectativa de vida da população brasileira, mas sim reduzir todo o trabalho à média. Essa média no Brasil, por exemplo, tem sido seguida para fins de aposentadoria e no contexto atual de reforma da previdência achata diferenças significativas entre regiões do país, conforme visto anteriormente.


É nesse sentido que se faz importante apontar que a tecnologia, como forma de organizar as relações sociais, expressa uma manifestação do pensamento e padrões de comportamento dominantes, e por isso também, um instrumento de controle e dominação. (MARCUSE, 1999).


Sem fazer uma crítica rasa o que se busca compreender aqui é que a tecnologia utilizada pelo IBGE em si, traz elementos que apontam a importância da regionalização, das diferenças existentes, entretanto o uso que se fará da média brasileira a respeito da expectativa de vida aponta a direção social que o governo quer imprimir como ‘verdade” e “única saída” para a questão das aposentadorias.


Problematiza-se por exemplo porque o uso da média simples nessa questão e os motivos pelos quais não se utiliza a média ponderada que traz a possibilidade de ao realizar a média quantificar a importância de cada situação, e atribuir pesos, aproximando talvez as possibilidades de melhor aproximação com a expectativa de vida regional.



Considerações

A reforma da previdência é um tema de extrema relevância para o contexto social e político brasileiro. O atual governo aposta nessa reforma garantindo à população que essa saída trará equilíbrio as contas públicas. Dentro dessa agenda está a mudança em relação à idade mínima para fins de aposentadoria, a partir dessa tábua de mortalidade construída anualmente pelo IBGE.


A partir dos elementos apontados no presente observa-se que a técnica utilizada pelo IBGE na construção das tábuas de mortalidade é capaz de considerar as diferenças regionais, tendo em vista as condições sociais, de saúde, sanitárias e de segurança. A respeito disso é importante apontar:

A técnica por si só pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez quanto abundância, tanto o aumento quanto a abolição do trabalho árduo. (MARCUSE, 1999, p. 74)

Assim como se observa que as técnicas escolhidas para a questão parecem estar de acordo com o que se propõe medir, no entanto o uso dos dados sem a devida problematização regional aponta uma racionalidade tecnológica a serviço de um governo que fará imposição de uma informação de modo achatado, tornando a aposentadoria inatingível para a população de alguns estados.


O que se depreende da análise realizada é que a questão não está na apresentação dos dados sobre expectativa de vida e sim na sua utilização enviesada pelo governo federal, situação essa que perpassa a realidade de muitas pesquisas estatísticas de fomento público e privado. E desse modo concorda-se com (Adorno, p. 29, 2001):
En una sociedad liberada, la estadística sería positivamente lo que hoy es negativamente, a saber, una técnica de administración, pero de la administración de las cosas, de los bienes de consumo, no de los hombres.

Bibliografia



ADORNO, Theodor W. Epistemología y Ciencias Sociales. Frónesis.. Madrid: Cátedra Universitat de València, 2001.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2016: Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2016/tabua_de_mortalidade_2016_analise.pdf. Acesso em: jan. 2018.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil, parte 1. Níveis e padrões da mortalidade no Brasil à luz dos resultados do censo 2000. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-mortalidade.html?edicao=9176&t=downloads. Acesso em jan. 2018.

CRUZ, Elaine Patrícia. BRANCO, Mariana. Reforma da previdência terá de lidar com disparidade de expectativa de vida. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-11/reforma-da-previdencia-tera-de-lidar-com-disparidade-de-expectativa-de-vida. Acesso em 07/01/2018.

MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1999.

PADILHA, Paula Zarth. Aposentadoria: uma corrida contra a expectativa de vida. Disponível em: http://www.terrasemmales.com.br/aposentadoria-uma-corrida-contra-a-expectativa-de-vida/. Acesso em 07/01/2018.

SIEGEL, Sidney. Estatística não-paramétrica (para ciências do comportamento). São Paulo: Mcgraw Hill do Brasil, 1977.


[1] É uma ferramenta metodológica de análise demográfica, estatística, que tem como objetivo apresentar a expectativa de vida da população brasileira até os 80 anos.
[2] Em cumprimento ao disposto no Art. 2o do Decreto no 3.266, de 29 de novembro de 1999, o IBGE divulga, anualmente, até o dia primeiro de dezembro de cada ano, a Tábua Completa de Mortalidade para o total da população brasileira, referente ao ano anterior. Essas informações subsidiam o cálculo do fator previdenciário, para fins das aposentadorias das pessoas regidas pelo Regime Geral da Previdência Social.
[3] Expressa a relação entre as taxas específicas de mortalidade de homens e mulheres.
[4] A hipérbole é o lugar geométrico dos pontos de um plano cuja diferença das distâncias, em valores absolutos, a dois pontos fixos desse plano é constante. Disponível em: www.obaricentrodamente.com/2011/05/equacao-da-hiperbole.html
[5] O inglês Benjamin Gompertz, padroeiro dos atuários, examinando números de falecimentos em várias regiões do Reino Unido descobriu algumas relações matemáticas que se ajustavam a esses números com bastante precisão. Em 1825, ele publicou sua pesquisa na revista da Royal Society em um artigo que ainda hoje é considerado fundamental.Gompertz notou que havia uma expressão matemática para a probabilidade de alguém, a partir de seu aniversário, morrer antes de chegar ao aniversário seguinte. Essa expressão é uma exponencial do tipo P(t) = A exp(Bt), onde P(t) é a probabilidade acima referida. Disponível em: http://www.seara.ufc.br/donafifi/longevidade/longevidade02.htm
[6] O método da Equação de Balanço de Brass (1975) foi formulado a partir da relação de que a taxa de crescimento da população (ou de um segmento da população deve ser igual à diferença entre a taxa de entrada e a de saída. Em uma  população  fechada  a  entrada  na  população  de  idade x e mai  é dada  pelas  pessoas  que completam exatamente x anos de idade e as saídas consistem nas mortes das pessoas de x anos e mais. Disponível em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/viewFile/1871/1830
[7] Gráficos 1, 2, 3 e 4 - Fonte: Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2000-2030. (IBGE, 2016)
 [8] D´ANGELO, Helô. Em mais de 1/3 dos bairros de SP, moradores morrem antes de aposentar. Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/em-mais-de-13-dos-bairros-de-sp-moradores-morrem-antes-de-aposentar/. Acesso em jan/2018.


[i] Bacharelado em SERVIÇO SOCIAL pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Especialista em GESTÃO PÚBLICA pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Mestre em EDUCAÇÃO: História, Política, Sociedade (EHPS) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Doutorando em EDUCAÇÃO: História, Política, Sociedade (EHPS) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


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